quinta-feira, 29 de novembro de 2007

É de fama e dinheiro que se trata a arte?, por Luciano Trigo, Folha de São Paulo

Texto de Luciano Trigo, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 19 de novembro de 2007.
O sucesso hoje não depende só do valor intrínseco de uma obra, mas sobretudo da capacidade do artista de se inserir nas regras do mercado.
Duas exposições recentes, uma no Rio e outra em São Paulo, sugerem interessantes questões sobre os rumos da arte contemporânea. Na instalação "Ainda Viva", a paulista Laura Vinci espalhou 7.000 maçãs sobre uma mesa de mármore branco e o chão de uma galeria; "Quebra-Molas", da carioca Débora Bolsoni, reproduziu um redutor de velocidade feito com uma tonelada de massa de paçoca de amendoim. As duas têm em comum a deliberada efemeridade e o recurso a comestíveis como matéria-prima.
Solicitado por uma revista a comentar as duas exposições, o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar afirmou: "Essa produção vai morrer aí. Trata-se da arte da boa idéia, da Caninha 51. [...] Não tem artesanato, não tem técnica, não tem linguagem. Já se usou de tudo: balde, bacia, ovo frito. É uma falta de imaginação, uma grande bobagem que não me interessa. [...] Uma mancha no chão, uma água escorrendo, tudo isso é expressão, mas não é arte". As artistas se justificam falando da transitoriedade das coisas vivas, de tentativas de simbolização etc.
Arte contemporânea é um tema em que é difícil tornar produtivo qualquer debate, pois sempre se cai num diálogo de surdos, num Fla-Flu, isto é, numa questão de adesão incondicional de torcedor, mais que de reflexão crítica. O que temos hoje são, de um lado, críticos, como Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant'Anna, que contestam a legitimidade e o valor de instalações como as de Laura e Débora, e, de outro, artistas que rejeitam esse julgamento como reacionário.
Menos do que saber quem está com a razão, importa constatar que desse atrito não sai nenhum desdobramento interessante. Por quê? Algumas hipóteses: - Os artistas se tornaram auto-suficientes: ignoram solenemente qualquer crítica que os contesta.
- Os críticos perderam a importância que tinham no processo de legitimação da pro- dução artística. - Hoje, para um artista, importa muito mais se inserir numa rede de relações composta de curadores, marchands e galeristas do que obter reconhecimento crítico.
Valor da arteA noção de valor em artes plásticas é altamente subjetiva.
Mas é também condicionada pelo contexto histórico-cultural e pelo modelo de relação entre economia e cultura que estiver prevalecendo.
O sucesso de um artista hoje não depende somente, nem mesmo principalmente, do valor intrínseco do que ele produz, dos méritos plásticos ou estéticos de sua obra, mas sobretudo de sua capacidade de inserção num "sistema" que funciona cada vez mais segundo as regras do mercado, do consumo e da moda -mesmo quando se veste o surrado disfarce da transgressão.
Pode-se simpatizar com as maçãs de Laura e o quebra-molas de Débora -embora não representem nada novo nem original. Mas é preocupante que esse tipo de produção -desligada da realidade, das questões contemporâneas, de compromissos, da História, do presente, em suma, da vida real- monopolize os espaços da arte hoje. É uma produção que pode até trazer fama, viagens e dinheiro a quem a faz, mas é disso que se trata?
As duas instalações pecam por serem obras inofensivas, fechadas em si mesmas, que não se articulam com nenhum processo exterior a elas próprias. Os artistas têm obrigação de vincular suas obras à realidade? Não. Mas, quando instalações desse tipo se tornam a tendência dominante da arte, fica a impressão de esgotamento e alienação.
Todos os movimentos de vanguarda do século 20 que resistiram à prova do tempo devem parte de seu êxito ao fato de terem mobilizado a sociedade, de estarem associados a transformações sociais, culturais e tecnológicas que tinham um impacto direto na vida das pessoas. Basta pensar na relação do futurismo com a guerra e com velocidade trazida pela máquina ao cotidiano para constatar que o novo não era uma manifestação espontânea e gratuita de gênios individuais.
Mesmo o surrealismo, com seu projeto de libertar a criação de qualquer controle racional, só foi possível num contexto de consolidação da idéia freudiana de inconsciente; mesmo assim, numa segunda etapa, foi associado por André Breton a um projeto político de esquerda -o que é uma contradição em termos, mas confirma o papel do contexto histórico na arte de cada época. Quando Marcel Duchamp expôs um urinol ou desenhou um bigode na Mona Lisa, fez um gesto revolucionário, que rompia com as convenções e abria possibilidades infinitas para a arte. Mas, como todos os gestos fundadores, é irrepetível, porque o contexto já passou: fazer um bigode na Mona Lisa hoje seria apenas ridículo.
Abolidos os cânones, qualquer adolescente é capaz de transgressões parecidas, e as fronteiras entre a criação artística e a empulhação pura e simples se tornam muito tênues. A falência da crítica como fator relevante agrava esse quadro, já que quem legitima o artista hoje é o sucesso em si: se faz sucesso, é bom. Nada mais capitalista. Mas talvez seja mesmo este o destino de todas as artes (a literatura, a música etc), isto é, enquadrar-se numa lógica de mercado ou morrer.
Projeção no mercadoMais grave que a repetição anódina de fórmulas que fizeram sentido na primeira metade do século passado é o esforço, igualmente ultrapassado, de épater a qualquer custo. Como é cada vez mais difícil chocar as pessoas, alguns artistas caem no ridículo, numa tentativa desesperada de ganhar projeção num mercado (pois é) cada vez mais competitivo. Duas obras que nos últimos meses apareceram na mídia são bem representativas desse fenômeno:
1) Numa exposição em Manágua, em agosto passado, o artista plástico costa-riquenho Guillermo Vargas Habacuc amarrou um cachorro num canto da galeria e o deixou lá sem comida, até morrer de fome, diante dos olhos perplexos dos visitantes. Habacuc se justificou: "O importante para mim era constatar a hipocrisia alheia. Um animal torna-se foco de atenção quando o ponho em um local onde pessoas esperam ver arte, mas não quando está no meio da rua morto de fome".
2) Em outubro, o artista plástico cipriota Stelarc convocou a imprensa para mostrar sua obra mais recente: ele implantou uma orelha no próprio braço. Não satisfeito, ele anunciou que quer implantar um microfone próximo à orelha, para captar o que estiver sendo "escutado". Será arte?

LUCIANO TRIGO é jornalista e editor de livros.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Bienal de 2008 promete abrir as portas sem expor obras de arte!

Matéria de Márcia Abos, publicada origilanemte no Globo Online, no dia 9 de novembro de 2007

A maior Bienal de Arte da América Latina está doente e vai passar literalmente por uma quarentena em sua próxima edição. O diagnóstico e a prescrição são do próprio curador da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, Ivo Mesquita, que anunciou nesta sexta-feira que a mostra abrirá as portas ao público em outubro de 2008 sem expor uma única obra sequer. É polêmica à vista.

- Estou propondo um debate, chamando para uma conversa. Resolvi assumir e dar a cara para bater. É uma Bienal bastante polêmica e entendo se ela for controversa. Não haverá exposição no sentido formal. Odiaria ter que fazer uma exposição tampão, convidando artistas sem fazer uma pesquisa. Tive dez meses para preparar a Bienal, quando o prazo normal é dois anos. Fiz o que pude no tempo que tenho - disse Mesquita, que é o atual curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

De acordo com o projeto de Mesquita, a 28ª Bienal vai durar 42 dias - o período clássico da quarentena. O térreo e o primeiro pavilhão do prédio serão transformados em uma praça. Os caixilhos e vidros que fecham a rampa de descida e o térreo serão removidos, seguindo o projeto original de Oscar Niemeyer. Nestes espaços, podem acontecer performances, concertos, apresentações de teatro, exibições de cinema e vídeo e shows. O segundo pavilhão estará totalmente vazio. O terceiro andar vai abrigar uma imensa biblioteca, contendo os arquivos de todas as Bienais de São Paulo desde a primeira, de 1951, e catálogos com informações sobre as cerca de 200 bienais de arte que existem hoje no mundo.

- A Bienal é um modelo de exposição do século XIX e estamos no século XXI. É preciso parar e repensar o que este modelo está fazendo e que tipo de imagem de arte ele passa. Será um exercício de reflexão sobre qual o lugar da Bienal hoje. Não acho que o modelo esteja esgotado, mas que ele precisa ser revisto. Estou propondo uma reflexão. Sei que estou fazendo uma curadoria mão pesada, pois teremos uma única instalação, que será o próprio prédio da Bienal, reformado segundo a proposta original de Niemeyer, e o imenso vazio do segundo pavilhão - explicou Mesquita.

A escolha do curador e do projeto da 28ª Bienal sofreu uma atraso de mais de um ano devido à profunda crise pela qual passa a atual administração da Fundação Bienal de São Paulo, presidida por Manoel Pires da Costa. Ele foi acusado de nepotismo ao contratar a seguradora na qual trabalhava seu genro, e uso da Fundação em benefício próprio, por usar serviços editora da qual é dono para prestar serviços à Bienal.

Alguns artistas até hoje reclamam que não receberam pagamentos da Fundação e um dos catálogos que trata dos seminários ocorridos na 27ª Bienal ainda não foi publicado. Manoel Pires da Costa passou a maior parte da entrevista de apresentação da 28º Bienal defendendo-se destas acusações, que segundo ele são quase todas mentirosas e motivadas por objetivos políticos de adversários que queriam seu cargo. Disse que foi inocentado das denúncias pelo Ministério Público.

- A Bienal de São Paulo tem graves problemas institucionais e de gestão, mas é a segunda maior e mais antiga do mundo. Sua importância permite que ela lance luz a todas as outras bienais do mundo. É tão importante quando a Bienal de Veneza - explicou Márcio Doctors, curador da Fundação Eva Klabin.

Doctors apresentou uma proposta para ser o curador da 28ª Bienal, mas acabou retirando sua candidatura. Chegou a cogitar fazer a curadoria em conjunto com Ivo Mesquita, dividindo a Bienal em doia períodos: a primeira parte em 2008, que abrigaria seminários e debates, e a segunda em 2010, quando aconteceria a exposição de fato.

- Não quero ser lembrado como o curador da Bienal que não fez uma exposição, por isso desisti da curadoria. A fragmentação do projeto original esvazia a noção de vazio criativo, fazendo com que o vazio seja sinônimo de nada - disse, explicando ainda que seu projeto visava preservar a Bienal em um momento de crise. No entanto, ele acredita que a fragmentação do conceito original em dividir a Bienal impedirá a compreensão do público.

- Tendo o projeto completo, as pessoas entenderiam o conceito. O segundo pavilhão vazio seria até uma afirmação de força. Com o projeto fragmentado, perde-se a clareza do conceito - concluiu.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Fui ver e realmente não gostei
por Ricardo Resende


E não é porque não gostei da exposição Itaú Contemporâneo que aceitarei de me taxarem como um “jeca” ou “interiorano“, como se referiu a artista plástica Maria Bonomi em entrevista no jornal a Folha de São Paulo na coluna de Mônica Bergamo, de sexta-feira, dia 23, ao se referir sobre os artistas que viram suas obras tiradas das paredes e colocadas literalmente no chão. Não gostaram e com razão. Não foram consultados. E isto deveria ser de praxe de uma curadoria que pensa fazer um uso diferenciado ou “inovador” do trabalho. O que gerou uma forte polêmica na cidade nesta semana que passou.
Não há nada de inovação naquele gesto. Não há nada de homenagem aos artistas como quis se justificar a cenógrafa Bia Lessa, mais conhecida no meio sério das artes plásticas pela maneira desrespeitosa com que trata obras de arte. A cenografia que se vê no Itaú Cultural, esta sim, tem sotaque caipira com suas cortininhas que separam os espaços que lembram as que se usava nas casas caipiras do interior de São Paulo e Minas Gerais. De novo aquele discurso de interatividade sensorial com o público.
Mas para ser mais preciso, e não ficar apenas na superficialidade das coisas, começo pela coleção do Itaú Cultural que vem sendo constituída sem uma política de aquisições, é o que se percebe ali apesar do esforço do curador Teixeira Coelho. Parece uma daquelas listas dos artistas mais importantes que se deve ter para ser “in“. Não se percebe critérios nas escolhas que formam a coleção. São pinceladas aleatórias e claro isso se reflete na fraca curadoria da mostra que é polvilhada com alguns trabalhos bons como o de Regina Silveira e a vídeo-instalação de Eder Santos. Mas a montagem e não se pode falar que aquilo se trata de museografia, é completamente equivocada. A começar pela apresentação do próprio Eder Santos no vão da escadaria. Outro é Julio Plaza, quase impossível de ser visto sem recuo no mesmo local. Exceto o andar que gerou a polêmica, os demais são convencionais e resultam em uma apresentação que não privilegia nada. Na verdade “mata” pinturas como a de Leda Catunda colocada ao lado da escultura de parede de Raul Mourão apenas pelas duas lidarem com a mesma matéria e humor.
Obviamente que o espaço da instituição não ajuda. É um dos piores com a finalidade de espaço cultural que se conhece na cidade. Não há adaptação nos moldes cenográficos que a instituição insiste em apresentar-se com o discurso de que o espetaculoso atrai o público, que dê certo ali. Ora são cenógrafos de teatro e iluminadores das novelas da Globo, ora são decoradores que se revezam ali na tentativa de “costurar” ambientes para a degustação de arte que seja palatável. E pior fica, como agora é comprovado, ao se propor a apresentar a arte contemporânea com cenografia e música ambiental com sons da natureza que ficaria melhor em um museu de história natural.
A incapacidade de Bia Lessa de lidar com arte fica evidente nos vários andares da exposição. Apenas em um ela tenta ser “inovadora” quando tira obras que originalmente foram pensadas para serem vistas na parede e as coloca no chão. Não estamos falando aqui de um Pollock, este sim inovou a pintura nos anos 50, que pintou literalmente com a tela estendida no chão e que depois a levou para a parede. Estamos falando de pinturas de um Paulo Pasta, um Daniel Senise, um Barsotti que foram pensadas na sua verticalidade e frontalidade. Mas se o gesto fosse tão simples assim, por quê então criar rampas e teto espelhado com o discurso de melhor visualizar as obras? Não bastaria apenas colocá-las no chão? Por que então a luz não vem do teto ao invés de vir na lateral lavando e refletindo nas camadas pictóricas a ponto de não se enxergar as cores das telas? Por quê criar um teto espelhado para segundo os responsáveis permitir um outro ângulo de visualização, na sua totalidade? Erro crasso de quem está mais habituado a iluminar cenários da Globo com suas cópias medonhas de pinturas encomendadas para serem apenas cenário. É a arte de mentirinha. É a arte maquiada. É a arte com desejo de apenas seduzir o público que infelizmente não sabe muito bem o que veio ver no Itaú Cultural. Que de contemporâneo não tem nada, infelizmente. Apenas uma maneira "espetaculosa" de apresentar arte que é na verdade elitista, embora se proponha o contrário. Ela esconde um preconceito nesta aparente generosidade que quer dizer "já que vocês não conseguem ver arte pela arte, vamos lhe apresentá-la como espetáculo teatral ou cenográfico de forma a diverti-lo". Nada mais é do que uma estratégia que distancia o espectador de um verdadeiro embate com a obra de arte.
O Itaú Cultural, para falar mais um pouco desta instituição, perdeu por exemplo, com todo o dinheiro que eles têm, a coleção de Adolpho Leirner para uma instituição norte americana séria. Esta coleção sim, poderia ficar muito bem ali naquele espaço com pé direito inadequados para o que chamam de arte contemporânea. Mas como disse, poderia, desde que não resolvessem chamar outra bacana para encenar a arte concreta brasileira para quem não entende nada do que está tentando falar.

Ricardo Resende
Coordenador do Projeto Leonilson
Coordenador de exposições independente