quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Fui ver e realmente não gostei
por Ricardo Resende


E não é porque não gostei da exposição Itaú Contemporâneo que aceitarei de me taxarem como um “jeca” ou “interiorano“, como se referiu a artista plástica Maria Bonomi em entrevista no jornal a Folha de São Paulo na coluna de Mônica Bergamo, de sexta-feira, dia 23, ao se referir sobre os artistas que viram suas obras tiradas das paredes e colocadas literalmente no chão. Não gostaram e com razão. Não foram consultados. E isto deveria ser de praxe de uma curadoria que pensa fazer um uso diferenciado ou “inovador” do trabalho. O que gerou uma forte polêmica na cidade nesta semana que passou.
Não há nada de inovação naquele gesto. Não há nada de homenagem aos artistas como quis se justificar a cenógrafa Bia Lessa, mais conhecida no meio sério das artes plásticas pela maneira desrespeitosa com que trata obras de arte. A cenografia que se vê no Itaú Cultural, esta sim, tem sotaque caipira com suas cortininhas que separam os espaços que lembram as que se usava nas casas caipiras do interior de São Paulo e Minas Gerais. De novo aquele discurso de interatividade sensorial com o público.
Mas para ser mais preciso, e não ficar apenas na superficialidade das coisas, começo pela coleção do Itaú Cultural que vem sendo constituída sem uma política de aquisições, é o que se percebe ali apesar do esforço do curador Teixeira Coelho. Parece uma daquelas listas dos artistas mais importantes que se deve ter para ser “in“. Não se percebe critérios nas escolhas que formam a coleção. São pinceladas aleatórias e claro isso se reflete na fraca curadoria da mostra que é polvilhada com alguns trabalhos bons como o de Regina Silveira e a vídeo-instalação de Eder Santos. Mas a montagem e não se pode falar que aquilo se trata de museografia, é completamente equivocada. A começar pela apresentação do próprio Eder Santos no vão da escadaria. Outro é Julio Plaza, quase impossível de ser visto sem recuo no mesmo local. Exceto o andar que gerou a polêmica, os demais são convencionais e resultam em uma apresentação que não privilegia nada. Na verdade “mata” pinturas como a de Leda Catunda colocada ao lado da escultura de parede de Raul Mourão apenas pelas duas lidarem com a mesma matéria e humor.
Obviamente que o espaço da instituição não ajuda. É um dos piores com a finalidade de espaço cultural que se conhece na cidade. Não há adaptação nos moldes cenográficos que a instituição insiste em apresentar-se com o discurso de que o espetaculoso atrai o público, que dê certo ali. Ora são cenógrafos de teatro e iluminadores das novelas da Globo, ora são decoradores que se revezam ali na tentativa de “costurar” ambientes para a degustação de arte que seja palatável. E pior fica, como agora é comprovado, ao se propor a apresentar a arte contemporânea com cenografia e música ambiental com sons da natureza que ficaria melhor em um museu de história natural.
A incapacidade de Bia Lessa de lidar com arte fica evidente nos vários andares da exposição. Apenas em um ela tenta ser “inovadora” quando tira obras que originalmente foram pensadas para serem vistas na parede e as coloca no chão. Não estamos falando aqui de um Pollock, este sim inovou a pintura nos anos 50, que pintou literalmente com a tela estendida no chão e que depois a levou para a parede. Estamos falando de pinturas de um Paulo Pasta, um Daniel Senise, um Barsotti que foram pensadas na sua verticalidade e frontalidade. Mas se o gesto fosse tão simples assim, por quê então criar rampas e teto espelhado com o discurso de melhor visualizar as obras? Não bastaria apenas colocá-las no chão? Por que então a luz não vem do teto ao invés de vir na lateral lavando e refletindo nas camadas pictóricas a ponto de não se enxergar as cores das telas? Por quê criar um teto espelhado para segundo os responsáveis permitir um outro ângulo de visualização, na sua totalidade? Erro crasso de quem está mais habituado a iluminar cenários da Globo com suas cópias medonhas de pinturas encomendadas para serem apenas cenário. É a arte de mentirinha. É a arte maquiada. É a arte com desejo de apenas seduzir o público que infelizmente não sabe muito bem o que veio ver no Itaú Cultural. Que de contemporâneo não tem nada, infelizmente. Apenas uma maneira "espetaculosa" de apresentar arte que é na verdade elitista, embora se proponha o contrário. Ela esconde um preconceito nesta aparente generosidade que quer dizer "já que vocês não conseguem ver arte pela arte, vamos lhe apresentá-la como espetáculo teatral ou cenográfico de forma a diverti-lo". Nada mais é do que uma estratégia que distancia o espectador de um verdadeiro embate com a obra de arte.
O Itaú Cultural, para falar mais um pouco desta instituição, perdeu por exemplo, com todo o dinheiro que eles têm, a coleção de Adolpho Leirner para uma instituição norte americana séria. Esta coleção sim, poderia ficar muito bem ali naquele espaço com pé direito inadequados para o que chamam de arte contemporânea. Mas como disse, poderia, desde que não resolvessem chamar outra bacana para encenar a arte concreta brasileira para quem não entende nada do que está tentando falar.

Ricardo Resende
Coordenador do Projeto Leonilson
Coordenador de exposições independente

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